"Tenho inveja das plantas e dos animais.
Parecem-me tão tranquilos, possuidores de uma sabedoria que nós não temos. Como
se desfrutassem da felicidade do Paraíso. Sofrem, pois não existe vida sem
sofrimento. Mas sofrem sempre como se deve, quando o sofrimento vem, na hora
certa, e não por antecipação.
Saber sofrer é uma lição difícil de aprender. Se
o terrível nos golpeia e não sofremos, algo está errado. Pois como não chorar,
se o destino nos faz sangrar? Se não choramos é porque o coração está doente, perdeu
a capacidade de sentir. Mas sofrer fora de hora é doença também, permitir-se
ser cortado por golpes que ainda não aconteceram e que só existem como
fantasmas da imaginação.
Os animais sabem sofrer. Nós não. Somos prisioneiros
da ansiedade. Pois ansiedade é isto: sofrer fora de hora, por um golpe que, por
enquanto, só existe no futuro que imaginamos. Talvez os animais sejam sadios de
alma e nós, doentes.
Jesus, sofrendo com a nossa dor pelos sofrimentos que a
ansiedade coloca no futuro, nos aconselhou a aprender da sabedoria das aves dos
céus e dos lírios dos campos, reconciliados com a vida, vivendo as dores e
felicidades do presente, e livres dos fantasmas da imaginação ansiosa. Sofremos
pelo futuro e, por isso, não podemos colher as modestas, mas reais alegrias que
o presente nos oferece.
Acho que todo mundo sabe, intuitivamente, que existe uma
loucura na maneira de ser dos homens. E é por isso que a nostalgia por um sítio
ou por uma casa na praias aparece como um dos nossos sonhos mais persistentes.
Para longe do falatório dos homens, quando todos falam e ninguém escuta. De
volta para a natureza, onde nada se diz e, no silêncio, se ouve uma sabedoria
esquecida.
Dizem que São Francisco pregava sermões aos animais. Não acredito.
Pois só pregam sermões aqueles que se julgam portadores de uma sabedoria que os
outros não tem. Prega-se para convencer os outros a reconhecerem os seus erros.
E para que, pela palavra ouvida, eles se tornem melhores.
Mas, de que erro
convenceremos as plantas e os animais? Pois são perfeitos em tudo que fazem.
Todos eles se movem harmônicos ao som da melodia que toca dentro dos seus
corpos. Acredito que o santo conversava com os animais, escutava o seu
silêncio, e, se ele falava alguma coisa, era como o aluno que repete em voz
alta aquilo que aprendeu dos seus mestres. Não era o santo que pregava aos
animais; eram os animais que lhe ensinavam a sua sabedoria. Me dirão que
plantas e animais não falam. Engano. É verdade que estão mergulhados no
silêncio. Mas é neste silêncio que interrompe o vozerio dos homens que uma voz
é ouvida, vinda das profundezas do nosso ser. Pois é aí que mora a sabedoria
que perdemos.
Você tem dificuldade em ouvir a voz das plantas e dos animais?
Pois que leia os poetas, profetas do seu saber sem palavras. A “Sugestão” de
felicidade de Cecília Meireles. Ela diz que deveríamos ser como a flor que se
cumpre sem pergunta, a cigarra, queimando-se em música, ao camelo que mastiga
sua longa solidão, o pássaro que procura o fim do mundo, o boi que vai com
inocência para a morte. E conclui: “Sede assim qualquer coisa serena, isenta,
fiel. Não como os demais homens”. Com o que concorda Alberto Caeiro, discípulo
dos mesmos mestres:
"Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as arvores.
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as arvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde
ir ter quando acabemos!.."
Rubem Alves
Um comentário:
lindo, lindo!
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