Há palavras que nos fazem voar. (...)
Palavras que nos fazem voar: a poesia.
(...) Desejo: reconhecer que algo está faltando. Saudade. Eu sugeriria que espiritualidade tem algo a ver com isto: viver em meio à presença de uma ausência. É daí que surge tudo que de belo fazemos: o amor, a poesia, os jardins, a música, as revoluções.... Tudo. Fazemos essas coisas para completar esse pedaço que está faltando. Ah! Pedaço de mim, que me arrancaram... Sou espiritual por causa disso: do meu corpo sai uma canção, um suspiro, um desejo, uma saudade de algo que não encontro e penso que sinto, no vento, o cheiro dessa coisa...
Desejo: somos espirituais por causa do desejo. O desejo aponta aquilo que está ausente. E nós, seres estranhos, somos capazes de viver por causa dessa ausência.
Não, não é o desejo de uma casa, ou de uma namorada, ou de um automóvel... É aquela tristeza que permanece, mesmo quando todas essas coisas pequenas são satisfeitas. Nós somos, incuravelmente, pranteadores de algo que se perdeu... E que desejamos reencontrar, no futuro.
Mas, para isso, é preciso saber o nome do desejo.
Acontece que somos banais. E, quando tratamos de falar no nome do nosso desejo - esse grande desejo, nome sagrado! - falamos depressa demais, sem nos darmos conta de que não sabemos o seu nome... O desejo é como o nome de Deus: os hebreus não podiam pronunciá-lo, e por isso mesmo se esqueceram dele. Se soubéssemos disso, falaríamos menos em nossas orações, porque compreenderíamos que falação é embromação. É preciso descobrir o nome do nosso desejo - aquele por cuja causa abandonaríamos tudo, aquele que nos faria bem-aventurados
Mas isso requer trabalho, muito silêncio, muita escuta, muita sinceridade, desaprender a conversa blablablá. Aprender a fala poética, em que cada palavra é absolutamente indispensável.
Dizer o nome do nosso grande desejo é orar. É só isso que é orar. O resto é blasfêmia.
Espiritualidade: a busca desse desejo perdido, desejo de vida, que nos libertaria dos desejos de morte que nos petrificam...
É preciso voar...
Trecho do livro
O infinito na palma da sua mão:
o sonho divino ao nosso alcance
de Rubem Alves
2 comentários:
lindo, Rubem Alves
só no silêncio mesmo...
Como é bom ler um texto tão profundo e verdadeiro. É um elixir para nossa alma!
Postar um comentário