CONHEÇA MAIS!

CONHEÇA MAIS!
CLIQUE NAS IMAGENS DA LATERAL PARA NAVEGAR PELO NOSSO ACERVO DIGITAL

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Irreparável ausência - Milena Tarzia

Belíssimo texto, disponível no Jornal da Cidade de Bauru, 02/02/2011

Quem ouvia o Padre Jesus falando, vai se lembrar de muitas referências semelhantes ao que Milena Tarzia escreveu tão perfeitamente. De todas as citações feitas, podemos pensar especialmente na vida contida dentro da gente que permanece adormecida, como se nos lançássemos à morte, antes que ela nos tenha acolhido... não deixar morrer os instantes de amor que ainda temos pra viver, não morrer no quanto amamos alguém, não morrer aquilo que deve permanecer vivo!
Hoje é um bom dia para voltar a viver, aceitando a morte como parte e a vida como fim!...
...

     
     Toda separação é uma espécie de morte. É morte porque pressupõe enterro, memória e dor. Enterra-se todo um universo de possibilidades e prazeres; enterram-se sonhos e sentimentos que se insinuavam eternos; enterra-se a si mesmo. A cabeça se volta para as lembranças de uma vida que já não existe mais, e o martelo da memória é insistente e desesperador. Ele teima em nos acompanhar. A dor é tamanha que até existir pesa. E como é pesada a carência, a falta que alguém nos faz!
      É como se um pedaço da alma fosse milimetricamente extirpado. É como se a águia do mito de Prometeu viesse nos visitar todos os dias, arrancando de nós o que houve e há de melhor. E não há enxerto que substitua essas incisões. Não há cirurgia plástica que corrija a cicatriz de uma grande perda.
      Cedo ou tarde, a marca da separação exibe os seus aspectos mais asquerosos, negativos, revela, definitivamente, o fim. Impõe-nos à habitualidade da ausência e à um resquício de culpa e punição, como se fossemos, nós, os homicidas do amor. Cada segundo que passa é um tormento a menos de saudade. Cada dia, cada mês, cada ano que transcorre é um caco a mais para se juntar ao que foi partido. E amar dilacera porque implica justamente na convivência diária e direta com a possibilidade decisiva do fim, ainda que se trate de um final cuidadosamente planejado.
      Assim como a separação é semelhante à morte, o processo que nos encaminha em tal direção é como uma doença crônica, que se instala sorrateiramente, sem avisos, sem previsões e precedentes, sem diagnóstico ou cura. Induz-nos ao inconformismo revoltante: é a injustiça por excelência.
      A irreversibilidade de um fato, a sentença última, é que torna o luto da separação um rito de passagem permanente, em que o hábito do sofrer se torna o medicamento que o leva adiante; a rotina torna-se o maquinário hospitalar que o ajuda a respirar todos os dias, e que o faz lembrar, às vezes, que ainda se vive, mesmo sem ele (a), mesmo sem amor.
      E eu falo, nesse momento, de todos os tipos de amor. Se é que se pode classificar o amor. Porque viver nada mais é que amar, perder e morrer. Só ganhamos algo temporariamente; só há acréscimo, plus de vida, quando nos doamos em união. Quando lançamos mão de toda a nossa capacidade de amar, de querer bem, de ensinar e aprender, de crescer e construir mundos, levantar sonhos, compartilhar sorrisos na identidade recíproca do mais belo sentimento; no cuidado, carinho e segurança de saber que não se está só.     
      Não se deixem enganar pela enfermidade do afastamento. Ele é traiçoeiro e fatal. A finalidade, o sentido da vida é aquilo que fazemos dela. E o que mais vale é criarmos nosso sentido vital sem que, acima de tudo, nos afastemos de nós mesmos: o amor maior e primeiro.
      A pior separação, a morte terrível é aquela que ocorre consigo mesmo. Quando nos dividimos e nos perdemos nos labirintos de uma individualidade distante, sem volta, sem retorno. Não há esperança para aqueles que se abandonam, e só agora eu enxergo que cada gesto não realizado, cada palavra não dita em tempo, cada afeto não compartilhado é que é, de fato, o cadáver que assombra, o verbo defi nitivo, o erro imperdoável, o irreversível.
 (A autora, Milena Tarzia, é bacharel em direito pela Universidade Estadual de Maringá, advogada, professora, mestranda em Filosofia pela PUC-SP, coordenadora do grupo de estudos Existência - e-mail: milenatarzia@uol.com.br)

Um comentário:

Marly disse...

Texto maravilhoso!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...