Ontem foi dia de Sabadão.
Não permaneci no grupo porque havia outro chamado, mas pude contemplar uma cena digna de registrar e partilhar...
Ao chegar lá para deixar o lanche, encontrei a querida Saletinha. Estava dentro do carro com uma amiga, aguardando alguém que confirmasse se realmente teria reunião. Quando eu respondi afirmativamente, ela ficou absolutamente alegre. Desceu do carro dinâmica, entusiasmada com o abraço que eu correspondi carregada de caixinhas e sucos na mão.
Ao voltar da cozinha, ela estava com mais três pessoas do grupo e eu aguardei um momento para falar que estava saindo. Ela me retirou do meio do grupo e me disse: "olha que coisa linda é o encontro... que alegria... uma verdadeira celebração!"
Impossível não sentir emoção bonita, singela, com esse olhar, com essa escuta.
Eu já havia pensado que, se estivesse entre nós, ontem seria dia de festa na reunião. Festa pra comemorar seu aniversário - quero dizer - porque você chegava assim, celebrando, todos os dias.
Eucaristia andando no meio de nós! As coisas mudaram tanto, mas a gente sempre o encontra por dentro. E a vida susurra mais forte que a morte!
Profundíssima e eterna gratidão!
Grupo Sabadão
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A primavera começava a se insinuar, mandando os ipês florir na frente para nos dar o recado. Um deles chegou a me fazer parar o carro. Eu estava a caminho de casa, quando deparei com uma gorda copa de um tom de amarelo que chegava a gritar meu nome. Parei ali mesmo, saquei o celular e compartilhei a imagem no Instagram, comunidade de fotos em que os donos de tablets e smartphones falam pelos olhos.
Mas os ipês não nasceram para o mundo virtual. Eles estão aí para nos distrair das telas dos computadores, reduzindo a velocidade do pensamento para que a vida tenha tempo de acontecer. “Quantas primaveras?”, costumam perguntar. Quantos ipês já passaram por esta minha vida corrida, sem que eu os percebesse?
Eu pensava nisso enquanto dirigia pela Savassi, buscando um lugar para estacionar. Pela janela avistei dois olhos do outro lado da rua, voltados para a minha direção. De longe, reconheci o senhor de barba e cabeça brancas: era o Haroldão. Ele me abraçou demorado, daquele jeito que a gente sente o outro desmoronando e fica com medo de acabar o abraço e ver em seu olhar mais emoção do que damos conta. E o brilho que vi nos olhos dele tirou aquele dia do lugar-comum. Amigo do meu pai da época da faculdade de medicina, ele era um dos membros do “jantar da turma”, evento mensal entre os colegas de formatura que eu frequentava desde pequena — eu me recordo de entrar em casa, vez por outra, em um sono tumultuado no colo do meu pai, depois de adormecer na casa de outrem. Lembro dos ruídos, risadas e conversas das quais eu não participava, mas em cujo ambiente eu sempre estava presente, por falta de opção dos pais desta caçula temporã.
Conversamos por algum tempo, tentando nos atualizar mutuamente das nossas vidas. Ele me falou de cada um da sua família, eu contei que rumo haviam tomado meus irmãos. Entre uma novidade e outra, ele ressaltava a saudade dos meus pais. Olhei para aquele senhor bonito, casado com uma mulher que sempre fora bonita também, e me surpreendi quando ele me contou que não era mais novo que meu pai, como eu pensava. Não conseguia acreditar que ele tivesse hoje a idade que meu pai teria: 75 anos. O câncer tirou de meu pai dez a vinte anos de vitalidade. De modo que ele morreu aos 64, com aparência de 80.
A conversa foi longe. Sem pressa, ele contou que, quando se casou, sua mulher era a mais bonita da cidade. Que sempre gostou de mulheres altas, cuja presença se faz notar. E que se apaixonou perdidamente por ela e seus olhos azuis, como dias antes eu havia caído de amores pelas flores amarelas do ipê. Falamos sobre o amor e o tempo, palavras que, a duras penas, procuram caminhar juntas. Da busca por essa eternidade: distrair-se com o olhar do outro a ponto de não ver o tempo passar. E o companheiro não envelhece, só ganha mais significado. Era sobre a construção do amor que falávamos, essa obra sempre inacabada. Pensei nos tijolos que me faltam, no reboco de uma parede ou outra, de uma casa que envelhece antes de ficar pronta.
Chegando em casa mais tarde, quis guardar cada detalhe do que ele me havia dito, mas as palavras me fugiram, ariscas — como se quisessem me ensinar que o que se guarda, mesmo, é o sentimento, esse indizível. As palavras, elas sim, prestam-se à tentativa desesperada de traduzir para o outro o que há dentro de mim. E seguem tentando. Mas haverão de despertar sensações, gestos e temperaturas, só para tumultuar a vida de um jeito bom.
E foi naquela manhã de um dia comum, na esquina da Rua Fernandes Tourinho com a Avenida Getúlio Vargas, que o colo dos meus pais esteve à minha espera — ali, no abraço do Haroldo e nas coisas que ele iria me contar. De certa forma eles estavam em mim também, à espera dele. Ou foi ele que os viu em mim, e foi em meu pai o abraço apertado que ele deu.
Sobre os que se foram, haverá sempre boas-novas a cada encontro com um afeto antigo pelas esquinas da cidade. E suas vidas continuarão florindo como os ipês, em algum canto da alma.
Mas os ipês não nasceram para o mundo virtual. Eles estão aí para nos distrair das telas dos computadores, reduzindo a velocidade do pensamento para que a vida tenha tempo de acontecer. “Quantas primaveras?”, costumam perguntar. Quantos ipês já passaram por esta minha vida corrida, sem que eu os percebesse?
Eu pensava nisso enquanto dirigia pela Savassi, buscando um lugar para estacionar. Pela janela avistei dois olhos do outro lado da rua, voltados para a minha direção. De longe, reconheci o senhor de barba e cabeça brancas: era o Haroldão. Ele me abraçou demorado, daquele jeito que a gente sente o outro desmoronando e fica com medo de acabar o abraço e ver em seu olhar mais emoção do que damos conta. E o brilho que vi nos olhos dele tirou aquele dia do lugar-comum. Amigo do meu pai da época da faculdade de medicina, ele era um dos membros do “jantar da turma”, evento mensal entre os colegas de formatura que eu frequentava desde pequena — eu me recordo de entrar em casa, vez por outra, em um sono tumultuado no colo do meu pai, depois de adormecer na casa de outrem. Lembro dos ruídos, risadas e conversas das quais eu não participava, mas em cujo ambiente eu sempre estava presente, por falta de opção dos pais desta caçula temporã.
Conversamos por algum tempo, tentando nos atualizar mutuamente das nossas vidas. Ele me falou de cada um da sua família, eu contei que rumo haviam tomado meus irmãos. Entre uma novidade e outra, ele ressaltava a saudade dos meus pais. Olhei para aquele senhor bonito, casado com uma mulher que sempre fora bonita também, e me surpreendi quando ele me contou que não era mais novo que meu pai, como eu pensava. Não conseguia acreditar que ele tivesse hoje a idade que meu pai teria: 75 anos. O câncer tirou de meu pai dez a vinte anos de vitalidade. De modo que ele morreu aos 64, com aparência de 80.
A conversa foi longe. Sem pressa, ele contou que, quando se casou, sua mulher era a mais bonita da cidade. Que sempre gostou de mulheres altas, cuja presença se faz notar. E que se apaixonou perdidamente por ela e seus olhos azuis, como dias antes eu havia caído de amores pelas flores amarelas do ipê. Falamos sobre o amor e o tempo, palavras que, a duras penas, procuram caminhar juntas. Da busca por essa eternidade: distrair-se com o olhar do outro a ponto de não ver o tempo passar. E o companheiro não envelhece, só ganha mais significado. Era sobre a construção do amor que falávamos, essa obra sempre inacabada. Pensei nos tijolos que me faltam, no reboco de uma parede ou outra, de uma casa que envelhece antes de ficar pronta.
Chegando em casa mais tarde, quis guardar cada detalhe do que ele me havia dito, mas as palavras me fugiram, ariscas — como se quisessem me ensinar que o que se guarda, mesmo, é o sentimento, esse indizível. As palavras, elas sim, prestam-se à tentativa desesperada de traduzir para o outro o que há dentro de mim. E seguem tentando. Mas haverão de despertar sensações, gestos e temperaturas, só para tumultuar a vida de um jeito bom.
E foi naquela manhã de um dia comum, na esquina da Rua Fernandes Tourinho com a Avenida Getúlio Vargas, que o colo dos meus pais esteve à minha espera — ali, no abraço do Haroldo e nas coisas que ele iria me contar. De certa forma eles estavam em mim também, à espera dele. Ou foi ele que os viu em mim, e foi em meu pai o abraço apertado que ele deu.
Sobre os que se foram, haverá sempre boas-novas a cada encontro com um afeto antigo pelas esquinas da cidade. E suas vidas continuarão florindo como os ipês, em algum canto da alma.
A cidade afetiva - Cris Guerra
2 comentários:
Indizível!
Hoje
um dia muito especial
onde unidos cantaremos aqui na sua casa, no templo tão cheio de sua energia e força
e com os anjos em sua casa eterna que transborda seu sorriso e sua bençãos!!!!!!
Pe. Jesus, rogai por nós.
Amem.
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