(continuação)
(1Cor 6, 18-20)
O corpo como presença deve ser, na materialidade de nossas
condutas, um corpo para a justiça, para a vida, para os demais.
O corpo é linguagem, comunicação, palavra dita e por dizer;
é também, em sua tendência unitiva, possibilidade de fecundidade atitudinalmente
humana.
O corpo, como minha presença, é caminho para a
transcendência à medida que instrumentaliza minhas virtudes e transforma em ação
minha fé.
Deus está presente nos mais profundos interesses do homem,
que representam sua "preocupação última". Nesta perspectiva, Deus aparece, antes
de tudo, como "fundamento do ser". Deus não é um fundamento estático e imóvel.
Deus é fonte viva: um fundamento que é origem contínua e presença
permanente.
É errada a concepção de que Deus criou o homem para servi-Lo.
Não é esta a intenção do nosso Deus. É Ele quem deseja servir-nos; põe-se a
nosso serviço para ajudar-nos em nossa realização, para que possamos suportar o
peso de nossa existência, construir nossa pessoa e nossa história. Em Jesus,
Deus não se mostra apartado da realidade e sim Alguém imerso no mundo e
comprometido com a marcha da história. Se Deus é realmente Amor comprometido com
a realidade do mundo, interessado nela até sua entrega total, resulta, sem
dúvida, que na medida em que essa realidade avança, também o amor de Deus se
realiza verdadeiramente.
Jesus revela-nos: Deus é o grande companheiro, que sofre
conosco e nos compreende. Revela-nos o perdão, a misericórdia e o amor como
caminho para nossa construção. Coloca-se como paradigma do que é ser humano,
mostrando-nos que quanto mais somos humanos, mais nos tornamos divinos. Doa-se
em alimento, que nos fortalece na busca de sua imitação e na continuidade de sua
missão.
Parecer-se com Jesus é reproduzir a estrutura
de sua vida.
Segundo o Evangelho, isso significa "encarnar-se" e chegar a
ser carne real na história real. Significa "levar a cabo uma missão", anunciar a
boa notícia do Reino de Deus, iniciá-lo com sinais de todo tipo e denunciar a
espantosa realidade do anti-reino. Significa "carregar o pecado do mundo" sem
ficar somente olhando-o de fora. Pecado que, certamente, continua mostrando sua
maior força no fato de causar morte a milhões de seres humanos. Significa,
finalmente, "ressuscitar", tendo e dando aos outros vida, esperança e
alegria.
A misericórdia não é a única coisa que Jesus exercita, mas é
o que está em sua origem e o que configura toda a sua vida, sua missão e seu
destino.
Quem vive segundo o "princípio misericórdia" realiza o mais
profundo do ser humano, torna-se semelhante a Jesus e ao Pai
Celestial.
O corpo é caminho para a transcendência à medida que deixa
transparecer, hoje, em nossa realidade, Aquele que habita em nós; à medida que
faz presente, na história, Aquele que é o Princípio e o Fim de toda a
História.
O corpo ressuscitado
(1Cor 15, 35-44)
(1Cor 15, 35-44)
O corpo é a expressividade de meu
envelhecimento progressivo e ao mesmo tempo,pode ser - em outras dimensões, que
também assentam-se e indicam nele - a consciência de minha própria e progressiva
liberação.
O corpo é o ponto de encontro onde acontecem todas as minha
relações:
- pelo corpo, o mundo interior se expressa e se comunica.
O corpo é um "indicador", um "sacramento".
O corpo é a síntese da matéria, onde convergem a informação exterior e interior.
O corpo é a síntese da matéria, onde convergem a informação exterior e interior.
A matéria é a concreção, a materialização do espiritual. É a
energia condensada.
O mundo das energias sustém e mantém o mundo visível. A
matéria é energia. A energia é a capacidade de ser, é possibilidade. Quando a matéria dá de si, desprende energia.
A matéria é instável e a energia concentrada na matéria está
desejando liberar-se. Isto se sucede com nosso corpo, que está em movimento
constante.
"Quando amamos, quando doamos, o corpo comporta-se como
matéria que se abre e dá suas possibilidades".
Por onde me entra a salvação? Pelo meu corpo, pela matéria.
É o lugar onde o divino trabalha. Sem corpo, Deus não poderia
trabalhar.
O nosso corpo está liberando energia, mas esta fica conosco;
aqui e agora não podemos ver essa energia.
"Daí que a grandeza da matéria é a capacidade de doar-se".
O pior que pode acontecer para uma pessoa é reter as suas riquezas e possibilidades para si e negar-se à expressão espiritual.
O homem, nas ondas que emite ao doar-se, tem cada vez mais pontos de contato com toda a criação. Na morte fica aberto a toda a realidade e em contato com a rede total, com o cosmos todo.
O corpo com que morremos não tem a ver com o da ressurreição, que é uma realidade além do corpo mortal com que morremos. Já emitiu toda a energia que tinha que emitir, cai e não entra na energia: é o cadáver.
Quando o homem morre, morre todo ele, e Deus o ressuscita. O corpo é retomado na sua totalidade, com a colheita da vida e se faz corpo espiritual.
A soma de todos os corpos mortais que tivemos (o de bebê, de
criança, de adolescente, de jovem, de adulto etc.) junto com toda a energia
emitida e com tudo o que nos fez, completou e enriqueceu, será transformado
por Deus (Ressurreição) e constituirá o nosso corpo espiritual.
Corpo não é um conjunto de moléculas animadas, energias ou
chacras. É tudo o que o ser humano acumulou e teceu nas relações com as mais
diferentes realidades com as quais se confrontou. É a história pessoal,
intrincada com a social e cósmica. Assim, na vida, o mundo que marcamos e que
nos marcou, entra na composição do nosso corpo.
Morrer e ressuscitar na morte não pode significar, portanto,
a transmigração da alma para Deus. É a chegada da totalidade do ser humano em
Deus, fonte de toda a beatitude e potenciação de todo ser.
Como se depreende, a ressurreição é um processo que vai
ocorrendo ao longo da vida. Vamos lentamente ressuscitando, à medida que
lentamente também vamos morrendo. Na morte, a ressurreição explode e implode e
permite à vida humana uma realização impossível se continuasse presa aos limites
do aqui e agora.
Destarte, morrer não é um caminhar para um fim-limite. É
peregrinar para um fim meta-alcançado. Por isso, nós não vivemos para morrer...
Morremos para ressuscitar. Para viver mais e melhor.
Resumindo...
Como se vê, em nosso corpo imanente abriga-se nossa transcendência.
Como imanência - aquilo que nos liga a toda uma escala
evolutiva - somos carregados de instintos e paixões que, se não trabalhados, podem
fazer de nosso corpo uma fornalha, cujo combustível é o egoísmo, a ambição, a
luxúria, a soberba, a ira, a gula, a preguiça, a inveja, e cujo fogo nos consome
em nossa trajetória.
Nessa situação, corremos o risco de que, quando este corpo
perecer, não tenha sobrado quase nada de nós.
Este é o corpo que reteve suas riquezas para si e negou-se à
expressão espiritual.
Por outro lado, vimos que a salvação entra pelo nosso corpo,
que é o lugar onde Deus trabalha.
Se, pela nossa dimensão transcendente, trabalhamos nosso corpo,
dominando os instintos e cultivando a humildade, a partilha, a temperança, a
paciência, o trabalho, a caridade, a castidade, a misericórdia, então este nosso
corpo será um útero onde estaremos gestando nossa verdadeira
identidade.
E quando este corpo tombar, deixará aparecer uma nova
realidade, muito mais rica, grandiosa e brilhante, à qual Deus chamará pelo
verdadeiro nome.
Será um tempo em que o frio e o calor ou o sofrimento e a
dor já não estarão; um tempo em que Deus enxugará as lágrimas de nossos olhos e
então poderemos vislumbrar e viver a eterna estação da primavera – a
plenitude.
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